Restaurante
Presidente
Quando o português Jose Pinto Ricardo chegou a São Paulo, em 1954, foi trabalhar no Mercado Municipal. Época dura, dinheiro bem contado. Em 1973 arrumou dois sócios, Manuel e Antônio, e montou um restaurante popular – e bota popular nisso – na zona leste. Deu o nome de Presidente, em homenagem a Juscelino Kubitschek, por quem era fascinado. Oferecia um cardápio fixo, idêntico a muitos do gênero, com feijoada às quartas e bacalhau às sextas. Na época, o bacalhau era baratíssimo. Servia porções gigantescas. Com o tempo, os sócios foram aprimorando certos segredos, como o método para tirar o sal. E também para deixá-lo bem fofo. O bacalhau começou a atrair fregueses de outros bairros. Tomaram a decisão: servir só bacalhau. Bolinhos de bacalhau. Bacalhau grelhado com brócolis, bem crocante. À espanhola, com grão-de-bico. Continuaram no mesmo endereço, bem simples. O que deixou de ser simples foi a freguesia. E também, para ser franco, à medida que tiravam sal do peixe, os preços foram ficando mais salgados. Deixou de ser um restaurante popular, mesmo porquê o próprio bacalhau ficou mais caro, oscilando continuamente com a alta do dólar. Atraiu críticos de culinária. Ganhou estrelas. Gente de outras cidades. Vieram propostas para montar novos endereços, fazer sociedade. Bastava que entrassem com o trabalho. Os três amigos portugueses resistiram.
– Não seria possível cuidar do negócio com a mesma dedicação – conta Manoel.
Há quatro anos, mudou para uma sede própria, perto da anterior. Cresceu. Tem sessenta lugares. Perdeu o jeito de boteco, mas não ganhou a ostentação dos endereços elegantes dos Jardins, onde muitas vezes a decoração é melhor que o cardápio. Continua puramente familiar. Manoel, José e Antônio ainda compram o bacalhau pessoalmente, em caixas de 50 quilos. Fazem questão de abri-las. Examinar cada peça. Escolher. Um dos sócios sempre está na cozinha, tomando conta do fogão.
Oferecem um bolinho de bacalhau de comer de joelhos. O prato continua generoso, no melhor estilo de botequim. A “porção individual” dá tranqüilamente para duas pessoas. Se sobra, embrulham e o freguês leva pra casa. Manoel passeia de mesa em mesa, aconselhando:
– Bota bastante azeite que vai ficar melhor!
Mas reage quando perguntam: como faz para o bacalhau ficar tão bom? A casca crocante?
– É o segredo do meu negócio. Não conto pra ninguém.
Desde o desembarque da culinária francesa e dos chefs chiquérrimos, com status de astros e estrelas, são poucos os lugares com estilo familiar e a velha culinária da cidade. Como o filé do Moraes, com muito alho, na Praça Júlio Mesquita, ou o Fuentes, com uma paella de dar água na boca, próximo ao prédio do antigo correio. E, é claro, como o bacalhau do Presidente. Depois de alguma conversa, Manoel desabafa:
– Esse tipo de comida vai morrer com a minha geração.
Com orgulho, revela que os filhos estudaram. Foram para a medicina, a odontologia. Negócios próprios. Nenhum sonha em cuidar de restaurante da madrugada até a hora de fechar.
– É uma vida muito sacrificada.
Sorri, meio sem jeito. Dou esperança.
– Quem sabe um neto?
Abana a cabeça. Não acredita. É verdade. Estamos assistindo ao fim de um tipo de culinária, de um tipo de negócio. Penso, com alguma melancolia, que tudo virou um grande empreendimento. As pessoas querem lucrar, lucrar e lucrar. Mas, quando vejo esses exemplos mais antigos, penso que o segredo do sucesso é a dedicação. Amor pelo que se faz. Sem amor, nada dá certo.
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